CEU - COMO TUDO COMEÇOU
É tão incrível como as coisas acontecem, de repente algumas peças vão se encaixando parecendo até que o Universo conspira a favor. Em 1970, de uma maneira inesperada surgiu uma idéia entre dois estudantes da Universidade de São Paulo que acabou se materializando na fundação do CENTRO EXCURSIONISTA UNIVERSITÁRIO que em 2024, completa 54 anos de profícua existência contribuindo significativamente para o desenvolvimento no Brasil da prática de um excursionismo consciente, com responsabilidade social e respeito ao meio ambiente.
Osvaldo Egidio de Oliveira
Sócio Nº 1 do CEU (1970)
O CENTRO EXCURSIONISTA UNIVERSITÁRIO, se caracterizou por ser um movimento que veio a afetar de maneira significativa e definitiva o modo como as pessoas em São Paulo e no Brasil, cada vez mais, passariam a interagir com respeito e sem agressão ao meio ambiente quando da prática de atividades desportivas e de lazer relacionadas ao excursionismo de aventuras e ao Ecoturismo.
O Universo Conspirou a Favor
Por Osvaldo Egidio de Olliveira
Eu nunca imaginei que fosse me interessar por Alpinismo, Exploração de Cavernas, ou por um Excursionismo de Aventuras. Em 1965 me sagrei Campeão Paulista Interclubes de Ginástica Olímpica (Artística) representando o saudoso e extinto Clube de Regatas Tietê. Decorreu daí, em 1966, o interesse e o convite do Esporte Clube Pinheiros (ECP) para que eu fizesse parte da turma de atletas militantes a fim de treinar e representar o clube nessa modalidade esportiva. Passado um tempo, já em 1967, Isaac Chvaicer, atleta juvenil de saltos ornamentais e sócio do ECP resolve ingressar na turma de ginástica do Clube, e foi aí, que o conheci e o ajudei em sua iniciação nessa modalidade. Desde logo nos tornamos amigos e, em um certo dia, o Isaac que frequentava o CAP - Clube Alpino Paulista foi convidado para participar de uma excursão a fim de escalar as Prateleiras no Parque Nacional de Itatiaia (PNI), por nossa proximidade, o Isaac me estendeu o convite e lá fomos nós. Bastou essa primeira experiência em escalada para que eu ficasse apaixonado pela atividade. Estava acesa a centelha para o surgimento do CENTRO EXCURSIONISTA UNIVERSITÁRIO - CEU.
Me tornei sócio do CAP e, no ano seguinte, em 1968, eu e o Isaac não fazíamos outra coisa senão escalar e participar de excursões. Ora estávamos treinando no Pico do Jaraguá nos Campos Escola 1, 2 e 3, ora participando ou guiando grupos de escaladores no Parque nacional de Itatiaia, outras vezes íamos para o Parque Estadual do Vale do Ribeira ( Petar, Núcleo Casa de Pedra e Caboclos ) em excursões de visitação a cavernas. De vez em quando reuníamos grupos para acampar e mergulhar no Litoral de Ilhabela e de Ubatuba.
Tivemos o privilégio de receber treinamento de escalada tendo como mestre o engenheiro Dr. Domingos Giobbi. Ele foi responsável pela introdução das técnicas de Alpinismo no Brasil e foi o fundador do Clube Alpino Paulista em 1959. Ao querido mestre rendo respeitosa homenagem pelo seu legado e por ter, de certa forma, contribuído para o surgimento do CEU.
O ano de 1969 foi atípico, com poucas saídas para escalar, tivemos que nos focar nas aulas de cursinho preparatórias para o vestibular de Engenharia. Bem sucedidos no vestibular, passamos a ser alunos da POLI-USP e logo, procuramos compatibilizar nossa agenda universitária com nossos anseios de continuarmos as práticas desportivas que estávamos acostumados.
O Ponta Pé Inicial - Em abril de 1970, o Isaac e eu Íamos chacoalhando dentro do ônibus circular do campus quando tivemos a idéia de criar uma entidade esportiva que reunisse alunos das diferentes faculdades da USP para a prática de excursionismo de aventura relacionado com montanhismo, exploração de cavernas e atividades subaquáticas. O objetivo, que permanece até hoje, era o laser e a aventura praticados com responsabilidade técnica e respeito à natureza. Conseguimos uma sala de reuniões no CRUSP, saímos colando cartazes de excursões em lanchonetes e restaurantes da Universidade, e a idéia vingou!
O CEU foi criado prevendo que, inicialmente, as atividades fossem desenvolvidas apenas por alunos da Universidade de São Paulo. Mais tarde recebeu alunos de outras faculdades e também pessoas externas ao meio universitário. O Isaac e eu fomos os primeiros guias do CEU. Promovemos as primeiras excursões para a exploração de cavernas e demos os primeiros treinamentos de escalada. Não demorou muito a surgirem outros associados com aptidão para guiar e nos anos que se seguiram aconteceram excursões quase todas as semanas.
Ao final de 1968, Domingos Giobbi, reconhecendo o bom trabalho que o Isaac e eu fizemos ao longo daquele ano, guiando e dando treinamento de escalada, para os membros do CAP, veio a nos conferir o Título de Guias Alpinos e nos ofereceu a oportunidade de participar, em janeiro de 1969, do Curso de Escalada de Gelo e Neve ministrado pela Federação Argentina de Esqui e Andinismo (FASA). O curso foi realizado na região de Bariloche, mais precisamente na base do Cerro Tronador em um local denominado "Ventisqueiro Negro" (Região de Geleiras Continentais recobertas em toda sua extensão por cinzas vulcânicas que lhe conferem uma cor escura).
A Primeira Sede - Estávamos em pleno regime militar, havia um clima de suspeição permanente quanto às atividades desenvolvidas por estudantes e quando decidimos pedir uma sala para montar a sede do CEU tivemos que nos submeter a uma sabatina feita por um Coronel da Aeronáutica a pedido do então Diretor do COSEAS. Naquela oportunidade tivemos de explicar quais eram nossas intenções ao solicitar um espaço no CRUSP para reunir estudantes e ao mesmo tempo tivemos de nos
Sala 407 do Bloco G do CRUSP
comprometer a não permitir qualquer uso da sede para reuniões de caráter político. Depois da violenta repressão aos estudantes, ocorrida no meio dos anos 60, havia a intenção das autoridades em demonstrar uma certa abertura para com os estudantes, por essa razão foi relativamente fácil conseguir a sala no CRUSP e também, mesas, cadeiras, arquivo de aço, fichários, material de escritório e até mesmo uma velha máquina de escrever. Com a sede praticamente montada, após um pouco de divulgação, começaram a pintar interessados que logo se tornaram associados. A sede ficava aberta permanentemente e depois de algum tempo, o que se via é que muitos alunos utilizavam aquele espaço para estudar. Durante a semana, a qualquer hora, sempre havia alguém na sede do CEU.
Sob a Mira de Metralhadoras - Em uma tarde de domingo em abril de 1970, o Isaac e eu, calouros da Poli, ainda de cabeças raspadas, estávamos escalando o diedro do "Campo 3" no Pico do Jaraguá quando dois soldados da PM deram ordem, sob a mira de metralhadoras, que descéssemos o mais rápido possível, para explicar o que estávamos fazendo embaixo da torre do Exército. Fomos presos e encaminhados ao DOPS. Depois de muitas explicações nos liberaram às quatro da madrugada. Ao examinar a mochila do Isaac apreenderam uma faca de escoteiro que ele levava. No dia seguinte, fui buscar meu "fusca" que tinha sido retido na delegacia da Vila Mangaló. Posteriormente, após um dia de aula na USP tivemos que nos apresentar no DOPS para conversar com um delegado, que vendo o livro do Piskunov (Autor russo do livro texto de cálculo integral da POLI) perguntou se éramos seguidores das teorias marxistas. Só não rimos porque de-repente poderíamos acabar presos.
Ser um "Sem sede" não nos abala - A primeira sede do CEU foi na sala 407 do Bloco G do CRUSP. Em 1972 a sede mudou-se para a sala 403 do Bloco A, em 1974 teve de se mudar novamente para uma sala no 3o. andar da Reitoria Velha. Em 1986 o CEU saiu da Reitoria Velha e foi para o TEU (Teatro Experimental Universitário), um predinho ao lado da Engenharia Elétrica, onde nos reuníamos e guardávamos os equipamentos. Esse prédio acabou demolido cerca de um ano depois. Vilson e Maurício Grego, que estudavam na Poli-Elétrica, foram à Prefeitura Universitária pedir que adiassem a demolição para que houvesse tempo de remover os equipamentos armazenados lá. No período seguinte, o CEU passou pela Escola de Educação Física e Esportes (uma sala de aula), pelo Instituto de Física (um espaço dentro do Centro Acadêmico) e pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (também no Centro Acadêmico). Nesse período de frequentes mudanças de local de reunião, o almoxarifado do CEU ficava em uma sala no CEPEUSP, embaixo do velódromo, a qual nunca chegamos a utilizar para reuniões por causa das restrições de acesso ao CEPEUSP. Quando perdeu-se este espaço no CEPEUSP, os equipamentos passaram a ser guardados na casa de algum sócio e continuou assim, praticamente até 2018. Nos anos seguintes, por um certo período, o CEU passou a se reunir no Clube dos Professores, mais adiante, passou a se reunir em bares e padarias e finalmente a partir de 2016 retornou à sua base, o Campus da Universidade de São Paulo. Hoje temos uma parceria consolidada com o CEPEUSP que nos garante algumas regalias: 1 - Sócios do CEU podem frequentar e utilizar livremente a infra-estrutura do CEPEUSP. 2 - O CEU conta com paredes de escalada montadas em baixo das arquibancadas do Velódromo para a prática "indoor" de "Boulder e Toprope". 3 - O CEU conta com 5 canoas canadenses sediadas na área da Raia Olímpica para que os associados possam exercer a prática da Canoagem 4 - Temos uma sala embaixo do Velódromo de uso permanente para a guarda dos materiais e equipamentos que o CEU dispõe e oferece aos sócios quando da prática de atividades desportivas. Enfim, todas as mudanças e dificuldades, ao longo dos anos, nunca abalaram o espírito celeste de aventuras e o grupo cresceu e se renovou sempre.
Os Primeiros Dois Anos - Sob a batuta do Fundador - Osvaldo Egidio de Oliveira, as atividades desenvolvidas entre 1970 e 72, conseguiram de maneira natural, face à grande receptividade e adesão dos alunos da USP aos treinamentos, excursões, cursos e eventos propostos, garantir a total consolidação do CEU como Instituição, contribuindo de maneira significativa para definir as bases do que se tornou o CENTRO EXCURSIONISTA UNIVERSITÁRIO, uma instituição voltada para o excursionismo de aventuras e o ecoturismo, praticados de maneira consciente, com responsabilidade social e com respeito ao meio ambiente.
O perfil acadêmico e profissional dos associados do CEU - Desde o início o perfil de formação acadêmica e profissional dos associados foi sempre muito variado envolvendo as mais diversas áreas de atividades e do conhecimento humano: Educação Física, Ecoturismo, Biologia, Física, Química, Ecologia, Medicina, Geologia, Geocartografia, Geografia e História, Espeleologia, Psicologia, Jornalismo, Engenharia, Direito, Administração e mais recentemente Ciências e Tecnologia da Informação.
Ao longo do tempo os conhecimentos e técnicas adquiridos, considerando a diversidade dos tipos de treinamentos e excursões oferecidos pelo CEU, propiciaram oportunidades para o desenvolvimento de trabalhos experimentais e acadêmicos em diferentes áreas de pesquisa e de coleta de dados de campo envolvendo estudos sobre cavernas, sobre fauna e flora silvestre, geomorfológicos e sobre muitos outros assuntos ligados à natureza, ao meio ambiente e ao ecoturismo, de onde resultaram inúmeras dissertações de mestrado e doutorado e a publicação de diversos trabalhos científicos.
Como exemplo de envolvimento em trabalhos científicos de campo, em 1977, uma equipe do Centro Excursionista Universitário, desenvolvendo pesquisa pelo Departamento de Paleontologia da SBE, contando com o auxílio da FAPESP e orientação do Dr, Paulo E. Vanzolini (MZ-USP), descobriu o mais importante depósito fossilífero de cavernas até então estudado em São Paulo. Tal depósito - Abismo do Fóssil (SP-145) - localizado no Petar, apresentou-se rico em ossada de animais recentes e extintos. Entre os últimos salientam-se ossadas e dentes de megatérios, celidotérios, gliptodontes, toxodontes e outros representantes da fauna pleistocênica sul-americana. A mesma equipe identificou cerca de uma dezena de sítios paleontológicos na mesma região e, em 1978, descobriu a primeira ossada (crânio incompleto) de um urso fóssil no Ceará (Gruta do Urso Fóssil - CE-05 - em Ubajara)
Muitos asssociados levando em conta sua formação adadêmica procuraram atuar profissionalmente em atividades que de alguma forma aproveitavam a experiência vivida como excursionista do CEU.
Essa vivência como excursionista de aventura, como guia, como planejador de atividades, como professor ou treinador, como membro de diretorias técnicas ou administrativas do CEU despertaram e estimularam, ou reforçaram o interesse de muitos a desenvolverem carreiras como guias profissionais, voltadas para o Ecoturismo, o Excursionismo de aventura e de alta montanha, enquanto outros procuraram atuar profissionalmente, seguindo a carreira acadêmica como professor pesquisador, mantendo linhas de pesquisas alinhadas com o perfil de atividades do CEU, enquanto outros foram para o setor público para atuar em áreas relacionadas com a preservação do meio ambiente tendo em vista ajudar na divulgação ou na regulamentação do uso do Patrimônio Ecoturístico.
Entretanto, a maior vitória do CEU tem sido, ao longo do tempo, a satisfação da conquista de nós mesmos, ao enfrentarmos as incertezas e os desafios quando se é pioneiro e também a sensação do bem estar e de encantamento que as atividades do excursionismo propiciam e ainda, e não menos importante, o estreitamento e a consolidação dos vínculos de amizade entre os associados que na maioria das vezes tem perdurado por décadas.
Fomos e somos extremamente importantes - Vejam!!!, fomos e somos extremamente importantes. Desde o início levantamos a bandeira do mínimo impacto e do excursionismo praticado de maneira consciente, com responsabilidade social, técnica e ambiental. Participamos da criação de um nova mentalidade excursionista no país e de maneira substancial na preparação da elite de montanhistas e da propagação no Brasil da prática da escalada esportiva, da exploração de cavernas, do mergulho, do trekking especializado, da escalada de alta montanha, da canoagem, tendo sido pioneiro inclusive na introdução de algumas práticas esportivas como é o caso do "bóia cross". Desempenhamos um papel da maior relevância ao estarmos presentes e com competência para participar na definição das políticas de uso e acesso aos parques nacionais. O Ciclo Turismo agora também faz parte do nosso perfil de atividades.
Jaraguá – Campo “3” - Demonstração
de Técnica de escalada - 1973
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Em novembro de 1970, a primeira diretoria formalmente constituída elaborou a primeira versão dos Estatutos do CEU.
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A partir da abertura da primeira sede em meados de junho de 1970 e com a chegada dos primeiros interessados, foram realizados treinamentos frequentes de escalada em rocha nos campos escola do Pico do Jaraguá. As bases teóricas essenciais sobre segurança e sobre as técnicas de escalada em rocha eram ministradas diretamente no local de treinamento. Com saídas menos frequentes foram realizadas excursões ao Parque Nacional de Itatiaia a fim de escalar os Picos das Prateleiras e das Agulhas Negras e assim praticar as técnicas de escalada de maior porte. Ao longo do tempo muitos praticantes de escaladas foram se revelando excelentes guias.