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MONTANHISMO

Por que algumas pessoas gostam de se arriscar em
esportes radicais? - Neurologista responde

Por: Ana Lucia Azevedo
O Globo — Rio de Janeiro
13 de julho de 2024

André Ilha no cume do Obelisco, Ilha da Trindade - Foto: Santo Souza / divulgação


O Brasil perdeu nas últimas semanas dois de seus
maiores montanhistas. Como é a cabeça dessas
pessoas?

O Brasil perdeu nas últimas semanas dois de seus maiores montanhistas. A morte de Rodrigo Raineri e Marcelo Delvaux, vítimas de acidentes em montanhas, suscita a discussão de por que algumas pessoas se arriscam em lugares isolados e hostis. Não se trata de aventura temerária, como pensam alguns. Ao contrário, a neurociência mostra que os mesmos mecanismos neuro-químicos que levam algumas pessoas a buscar o novo e a expandir fronteiras estão na essência do que move a Humanidade e a fez conquistar o planeta.


Se não fossem os primeiros humanos com espírito explorador, ainda estaríamos sentados à volta de fogueiras nas savanas africanas, como nossos ancestrais hádezenas de milhares de anos, afirma o neurocientista Ricardo Reis, chefe do Laboratório de Neuroquímica do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


“Fortes evidências sugerem que a inclinação a tomar riscos está programada no cérebro e ligada aos mecanismos de excitação e prazer. Tal comportamento pode ter garantido nossa sobrevivência como espécie e nosso espalhamento pelo planeta”, disseram em artigo na “Medicine and Sports” os psicólogos Matt T. G. Pain e Matthew A. Pain, ambos da Escola de Ciências do Exercício e do Esporte da Universidade de Loughborough, no Reino Unido.


Montanhistas são a face mais visível desse perfil de comportamento desbravador porque num mundo superpovoado e explorado, as montanhas se tornaram a última fronteira não pisada. Elas são bastiões da terra incógnita, seja nos cumes virgens ou em vias de escalada nunca antes conquistadas.


— O que me motiva não é virtuosismo temerário, mas a busca pelo novo, a curiosidade sobre o desconhecido e a chance de explorar lugares intocados. A combinação da exploração com a escalada me proporciona isso. Aventuras extremas são também autoconhecimento — afirma André Ilha, o montanhista brasileiro com o maior número de montanhas conquistadas (são 130) e de vias abertas, 950.


Aos 65 anos de idade e escalador há meio século, ele é a personificação do que a neurociência descreve como o perfil do explorador. Ilha acaba de lançar um livro chamado “Rumo ao desconhecido”, em que relata as expedições a 66 das montanhas brasileiras que foi o primeiro a subir, na companhia de diferentes parceiros. Neste fim de semana, ele parte em mais uma expedição, vai para duas montanhas sem nome e nunca escaladas no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.


Nada é mais equivocado do que o estereótipo de praticantes de esportes de aventura. Em vez de impulsividade, emotividade e busca cega pelo perigo, psicólogos têm encontrado pessoas que prezam a racionalidade, planejam e se preparam meticulosamente, diz o cientista comportamental Eric Brymer, da Universidade de Southern Cross, na Austrália. É óbvio que o risco existe e fatalidades, como as que acometeram Raineri e a Delvaux, acontecem.


Brymer é o principal autor do estudo “Extreme sports are good for your health: A phenomenological understanding of fear and anxiety in extreme sport” (“Esportes extremos são bons para a sua saúde: Uma compreensão fenomenológica do medo e ansiedade nos esportes extremos”), publicado no periódico Journal of Health Psychology.


Raineri, de 55 anos e três décadas de escalada, morreu quando o parapente em que estava se rasgou após ele escalar o K2 (8.611 metros, a segunda maiormontanha da Terra), no Paquistão, e tentar descer voando. Ele foi o primeiro brasileiro a escalar três vezes o Everest (8.848 metros), a mais alta montanha do mundo, e o único a guiar expedições às sete montanhas mais elevadas do planeta. Já Delvaux, também de 55 anos, escalava há 25 e já havia subido mais de cem montanhas nos Himalaias e nos Andes. Era formado em informática e história, mestre nessa última e um dos únicos guias brasileiros com título superior em montanhismo, o que lhe permitia guiar nos Andes. Ele faleceu no Nevado Coropuna (6.300 metros), no Peru, ao cair numa fenda oculta sob a neve.


— Incerteza e risco estão no cerne da aventura. O risco está presente o tempo todo e, por isso, a habilidade fundamental é a capacidade de julgamento, a tomada de decisão. O planejamento e o preparo logístico, técnico e físico também são essenciais. Mas, claro, o perigo existe e o assumimos — destaca Ilha, administrador de empresas, que fez carreira como auditor fiscal e foi diretor de órgãos ambientais do estado do Rio de Janeiro


Por traz do comportamento do tomador de riscos, seja um montanhista extremo ou um investidor do mercado financeiro, está o neurotransmissor dopamina, frisa Reis. — Curiosidade intensa, busca pelo novo e tomada de risco estão associados à dopamina elevada e modulada por determinados receptores. É uma química complexa que a ciência procura entender — explica o neurocientista. A dopamina é um dos mais importantes neurotransmissores cerebrais. Está ligada ao controle dos movimentos; à regulação do prazer e da recompensa; ao humor e a funções cognitivas fundamentais, como memória, aprendizado e resolução de problemas. Ela é fundamental para a tomada de decisão, que ocorre no lugar mais nobre do cérebro, o córtex pré-frontal.


Estudos têm revelado que gente que vive no limite, como exploradores, investidores e praticantes de esportes radicais, possui altas doses de dopamina. Em contrapartida, baixos níveis desse neurotransmissor estão associados à apatia e à aversão ao risco. E doses desequilibradas são relacionadas a abusos de drogas e álcool.Para a maioria das pessoas, a dobradinha risco e recompensa funciona como mecanismo de busca por prazer e satisfação, ainda que em pequenas doses. Reis sugere que o sucesso dos bets, das plataformas de apostas, tem a ver com essa busca por recompensa. São pequenas doses de satisfação.


Mas não se trata apenas da concentração da dopamina. E também da forma como ela é modulada e atua em diferentes regiões do cérebro. Quem faz esse ajuste fino são os receptores, proteínas na superfície dos neurônios que permitem a entrada da dopamina e a transmissão de suas mensagens químicas. Reis acrescenta que certas variações nos genes de receptores de dopamina D2 e D4 já foram associadas a praticantes de esportes radicais, como esqui e snowboard.


A dopamina desempenha papel central, mas não atua só. A adrenalina, hormônio liberado em situações de estresse, participa. Por exemplo, jogando mais sangue nos músculos. Reis observa que outros compostos, como os neurotransmissores endocanabinóides, a exemplo da anandamida, ligada ao controle da dor, podem estar envolvidos. Porém, a genética sozinha não determina o comportamento de ninguém. Ela atua em combinação com fatores ambientais. Cada pessoa é uma mistura única de natureza (genes) e ambiente (aspectos sociais, culturais), frisa o neurocientista.


O professor de educação física, escalador há 25 anos e corredor de longa distância Flavio Aguiar destaca que subir montanhas desenvolve a flexibilidade cognitiva, a capacidade de tomar decisões rápidas em situações imprevisíveis. — O tempo todo você avalia cada passo, cada movimento e se vai ou não adiante, antecipa situações. O risco é calculado. Não se trata de exposição deliberada ao perigo. Essa vivência me ajuda no dia a dia. Por exemplo, a andar de moto de forma segura — conta Aguiar.


Reis assinala que à medida que metas são alcançadas, o sarrafo de novos desafios fica mais alto. É preciso foco, disciplina, treino e persistência para momentos de uma sensação de satisfação que pessoas que desafiam os limites descrevem como mágica. — Vemos esse perfil de pessoa, por exemplo, escalando montanhas. Mas nem todo escalador vai aos limites. Passar a vida sob a tomada de risco extremo é uma situação muito especial, para poucos. Certamente, os grandes exploradores do passado, os primeiros nos polos, os primeiros navegadores e astronautas tinham essa química cerebral. Assim como terão os primeiros colonos de Marte — afirma


Por: Ana Lucia Azevedo / O Globo — Rio de Janeiro — 13 de julho de 2024

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